Brics, Brasil e China
Com a reunião de presidentes desta semana, no Ceará, o grupo dos Brics, formado por Brasil, Índia, China, Rússia e África do Sul, deixa definitivamente de ser um conceito para investidores, criado como sugestão de bons negócios pela Goldman Sachs, nos anos de forte crescimento econômico nas economias em desenvolvimento.
Se consolida como grupo político, de líderes regionais prestes a experimentar sua capacidade de ação conjunta, por meio de um banco próprio de desenvolvimento. O avanço não esconde, porém, que a China ainda é a maior prioridade para o Brasil, entre os países do grupo.
Brasileiros e chineses assinarão, durante a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil, cerca de 60 acordos, entre tratados, memorandos de entendimento e contratos entre empresas privadas. Espera-se, no governo brasileiro, que, entre esses entendimentos, esteja a solução para uma queixa frequente da China, sobre a burocracia para vistos de trabalho de chineses em território brasileiro - na semana passada, os dois governos finalizavam a discussão de um acordo sobre o tema dos vistos. Um acerto em torno da liberação de importações de carne de frigoríficos brasileiros também estava próximo.
Associação com os chineses é estimulada pelo governo brasileiro
A Camargo Corrêa será uma das primeiras empresas beneficiadas pelo memorando de entendimento a ser assinado entre Dilma e Xi Jinping para cooperação em transporte ferroviário. Ela já negociou com a chinesa China Railway Construction Corporation acordo para disputar a concessão do trecho vinculado à ferrovia Norte-Sul, entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO), negócio discutido há dez anos por empresários interessados nas oportunidades com os chineses. As autoridades da China estão particularmente animadas também com o leilão da ligação interoceânica entre o litoral maranhense e o porto de Ilo, no Peru, passando pela Bolívia.
Outra empresa que deve anunciar negócios com os chineses é a Brasil Foods, que já tem parceria com empresas chinesas para distribuição de produtos e planeja montar uma fábrica naquele país para processar carne de aves exportada do Brasil.
Para o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), embaixador Sérgio Amaral, os dois países atravessam um bom momento para ampliar a atuação das empresas brasileiras, com a redução dos atritos comerciais bilaterais.
"A relação entre Brasil e China é tão diversificada que sempre haverá setores ganhando muito e setores em dificuldades", minimiza o executivo. "Nosso esforço é criar mecanismos para resolver os problemas, que estão sendo resolvidos, em boa medida." O CEBC, que reunirá empresários dos dois países, em Brasília, durante a visita oficial de Xi Jinping, anunciará a criação de um mecanismo de revisão dos acordos entre os dois países, para identificar as dificuldades de execução dos acordos e as barreiras a negócios de lado a lado, e cobrar solução dos governos.
Ações tomadas pelo governo brasileiro reduziram, nos últimos meses, a pressão do setor privado no país contra a concorrência chinesa. A redução de impostos sobre exportação, para setores mais ameaçados, e o aumento no uso de medidas comerciais contra produtos da China - hoje o maior alvo de barreiras punitivas a vendas desleais - juntaram-se à reação pragmática dos próprios empresários, que converteram muitas de suas operações em importação de produtos chineses, em setores como utensílios de plástico e de aço e máquinas.
Há queixas como os recorrentes problemas da Embraer, que sofre com a burocracia e atrasos nos processos de compra de aeronaves pelos chineses. Há expectativa de que será anunciada a venda de mais 40 aviões da empresa, como antecipou à agência "Dow Jones", na semana passada, o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Fontes do governo afirmam tratar-se de jatos executivos Legacy.
Os acordos a serem assinados ampliam a crescente influência da China no mercado de commodities brasileiro. Maior mercado mundial para as exportações desses produtos pelo Brasil, o país asiático conquista, pouco a pouco, influência também na logística de exportação.
O governo brasileiro tem estimulado a associação com os chineses e espera ver o modelo de associação em ferrovias estendido a outras concessões, como energia e rodovias. É um movimento a ser acompanhado de perto, com reflexos futuros sobre os ganhos com a exportação de commodities pelo Brasil.
Assim como o estreitamento de laços com a China, a participação no grupo dos Brics extrapola eventuais preferências ideológicas. Embora apresentado frequentemente como uma contraposição aos países e organizações comandadas pelos ditos países "ocidentais" (conceito elástico, que costuma incluir o Japão e excluir países latino-americanos), o grupo mostra-se, a cada reunião, como uma alavanca política usada por seus membros para afirmar sua atuação autônoma nas decisões internacionais.
Prova de que não é uma declaração de confronto ao mundo dos países ricos, o arranjo contingente de reservas, para ajuda mútua em caso de problema no balanço de pagamentos, prevê que será necessário aval de uma instituição como o Fundo Monetário Internacional para retirada de quantias acima de determinado limite.
O Novo Banco de Desenvolvimento, nome do banco dos Brics, ainda percorrerá longo caminho para começar a operar: terá de ser aprovado pelos Congressos dos países e definir detalhes operacionais, como taxas a serem cobradas e exigências para eventual associação de outros países.
O Brasil quer nomear o primeiro dirigente máximo dessa nova instituição financeira. A decisão sobre quem será o presidente do banco não deve ser tomada agora, porém. Será reveladora do grau de entendimento entre o Brasil e seus amigos emergentes.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro "Ascensão e Queda do Império X", lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras
Fonte: Valor Econômico